VIAGENS, VINHOS, HISTÓRIA – RIOJA, ESPANHA
28 jun 2018 às 12h55
A região vinícola de Rioja é considerada a mais importante da Espanha. O nome vem de um pequeno riacho que nasce nas montanhas, o Rio Oja, rio das pedras. UM POUCO DE HISTÓRIA Como todas as regiões da Europa, os romanos foram os responsáveis pelo desenvolvimento da produção de vinhos. Nos séculos seguintes, os povos que dominaram esta região, deram continuidade. Do século XI ao XVIII a produção de vinhos estava concentrada na cidade medieval de La Guardia, no Reino de Navarra. No século XIX, com a Revolução Industrial, a produção de vinhos saiu de La Guardia e foi para os vales, principalmente dos Rios Oja e Ebro.
OS FRANCESES Em 1865, a Filoxera atacou os vinhedos da França. Os franceses decidiram arrancar todos os vinhedos, plantar troncos americanos e fazer os enxertos com as suas principais castas de uvas. Como iria levar um tempo para voltar a produzir, os produtores de Bordeaux decidiram investir em vinhedos na Espanha, onde a Filoxera não havia ainda atacado. No fim do século XIX, toda a região floresceu. Haro foi a primeira cidade da Espanha a ter eletricidade, antes mesmo de Madri e Barcelona. FILOXERA Em 1899, a Filoxera finalmente chegou em Rioja. 70% dos vinhedos foram perdidos. Os espanhóis, no entanto, já estavam preparados.
DENOMINAÇÃO DE ORIGEM CONTROLADA – CASTAS E VINHOS Em 1926, foi criada a Denominação de Origem Controlada, com seus critérios e padrões. A classificação dos vinhos ficou: O vinho mais vendido e mais consumido, inclusive internacionalmente é o Crianza.Em português seria Criação. SOLO E TERROIR A região é dividida em Rioja Alta, com solo calcário e ferroso, e Rioja Baixa com mais argila e pedras. Algumas regiões da Rioja Alta recebem influência do clima mediterrâneo que vem do mar. A amplitude térmica é bastante grande, com dias quentes e noites muito frias. O frio do Outono muitas vezes chega mais cedo e prejudica o amadurecimento das uvas mais tardias, como a Graciano. A uva tempranillo amadurece sempre em Setembro.
2ª GUERRA MUNDIAL Durante a 2ª Guerra Mundial, a Espanha se declarou neutra e com isso pôde aproveitar e exportar vinhos para a Alemanha. Até hoje, a Alemanha é uma grande importadora e consumidora dos vinhos espanhóis de Rioja. PROGRAMAÇÃO DAS VISITAS Na nossa programação de viagem, optamos por ficar em Haro e de lá sair para as visitas. Nos hospedamos no Hotel Los Agustinos, um edifício antigo, adaptado, muito bonito, e que fica no centro da cidade. A cidade é pequena, muito fácil de se locomover. Quando da programação, contratamos os serviços de turismo da Riojatrek através da guia Yara Carignato. Yara é espanhola, filha de brasileiros e fala português fluentemente. Trabalha há vários anos na região, conhece tudo de vinho. Coube a ela escolher as vinícolas a fazer o roteiro. A meu pedido, no primeiro dia foram marcadas visitas às vinícolas pequenas e familiares. No segundo dia, programamos as grandes vinícolas, onde as visitas são feitas em grupos. Há também possibilidades de fazer perguntas e degustar com calma os vinhos. Podem contatar a Riojatrek pelo e-mail yara.carignato@riojatrek.com. Eles programam visitas individuais e em grupos.
VISITAS ÀS VINÍCOLAS – Primeiro Dia Neste primeiro dia, visitamos algumas vinícolas familiares. Além de recebermos um atendimento individual, temos mais tempos para conversar, fazer perguntas, aprender e degustar os vinhos. FINCA LA IMPERATRIZ – Rioja Alta A história desta vinícola começa em 1878. Foi quando, Eugenia de Montijo, esposa de Napoleão III e Imperatriz da França, apresentou, em uma Exposição Vinícola em Paris, um vinho produzido em uma Finca de sua propriedade na região de Baños de Rioja, e que foi premiado. Nos anos que se sucederam, a vinícola passou por vários donos até que em 1996, os irmãos Eduardo e Victor Hernáiz compraram a propriedade. Seus vinhedos estão a 570 metros de altitude, uma das mais altas da região. O solo é de argila, coberto por pedras brancas, com uma drenagem perfeita. O reflexo do sol, das pedras nos cachos, potencializa os polifenóis da uva. Polifenóis são as substâncias antioxidantes encontradas no vinho Na visita, fomos recepcionados por Coralie Saint Martin, responsável pelo Enoturismo.
BODEGAS GOMEZ CRUZADO Fundada em 1886 por D. Angel Gomes de Arteche, um nobre mexicano, durante o período em os franceses estavam investindo na região. Foi a primeira vinícola a ser construída ao lado da Estação do Trem em Haro. Como muitas bodegas em Rioja, possuem vinhedos, aqui chamados de parcelas, em vários lugares. Há sempre uma preocupação em adequar as uvas cultivadas às especificidades dos terroirs de cada vinhedo. Esta cultura é um legado dos franceses. A Gomez Cruzado é considerada uma bodega boutique. Produzem 200.000 garrafas por ano. Exportam principalmente para os EUA e México.
Os vinhos da Gomez Cruzado oferecem duas categorias de vinho. Na degustação provei alguns deles e gostei muito do Pancrudo. É feito com 100% de uvas Garnacha, de vinhas velhas. Foi o vinho que escolhi para trazer.
BODEGA MIGUEL MERINO É uma história de empreendedorismo. Em 1994, Miguel Merino, depois de trabalhar vários anos como exportador de vinhos, decidiu abrir a sua própria bodega. O conceito era produzir um número relativamente pequeno de garrafas, mas com muita qualidade, utilizando principalmente uvas de vinhas velhas. A bodega é bem enxuta. Os trabalhos nos vinhedos, as colheitas, a separação das uvas, são feitos pelos donos e os poucos funcionários que dispõem.
Em nossa visita, fomos recepcionados pela Erika e pelo Miguel (Filho). As instalações são pequenas, mas muito bem distribuídas e organizadas. Ficamos um bom tempo conversando sobre o foco de mercado de seus vinhos e da preocupação quem eles têm em sempre surpreender seus clientes. Eles conseguiram passar a um nicho importante de mercado, uma imagem de sofisticação e qualidade. E mantêm clientes fieis na Espanha e em vários países. Como produzem poucas garrafas, seus vinhos são procurados e disputados. Na degustação, provamos vários vinhos tintos, entre eles o Miguel Merino Gran Reserva, 96% Tempranillo e 4% Graciano. Graciano é uma uva tardia que potencializa a longevidade e a cor do vinho. O Gran Reserva fica 28 meses em barricas de carvalho americano e francês. Os outros vinhos são produzidos com as castas Tempranillo, Garnacha e Mazuelo e ficam nos barris vários meses, dependendo da programação e orientação do enólogo. O vinho Miguel Merino Reserva fica 22 meses nos barris, já o Crianza fica 16 meses. A produção de seus vinhos está sempre em sintonia com a expectativa de seus clientes. Estão sempre preocupados em surpreendê-los com vinhos de qualidade excepcional. E têm sido muito bem-sucedidos.
As visitas às Bodegas La Imperatriz, Gomez Cruzados, Miguel Merino são para as pessoas que desejam além da degustação, mais conhecimentos. Vá preparado para fazer perguntas, tirar dúvidas e usufruir de uma atmosfera mais intimista. As reservas são feitas com bastante antecedência. Ao contratar a Agência de Turismo, você pode indicar as vinícolas que gostaria de visitar. VISITAS ÀS VINÍCOLAS – Segundo dia Neste segundo dia, optamos por visitar as grandes vinícolas e que participaríamos dos tours em grupos. Os tours geralmente são padrões. O guia conta a história da vinícola, às vezes há um pequeno vinhedo, o passeio pela parte industrial, e ao fim a degustação. BODEGAS CAMPO VIEJO É a maior de Rioja. Produzem cerca de 30 milhões de garrafas por ano. Vendem também para os EUA, Alemanha, Rússia e Brasil. Possuem vinhedos espalhados por toda a região de Rioja. Os controles dos vinhedos são feitos por satélite e drones.
A Visita e o Tour Há tours o dia todo, em várias línguas. Não há necessidade de marcar com antecedência, mas na alta temporada é sempre conveniente. Os Vinhos Fiz questão de selecionar esta vinícola para visitar, pela importância que tem no mercado consumidor de todo o mundo.
BODEGAS MARQUÊS DE RISCAL Também escolhida pela sua importância, e por ser uma das mais conhecidas no Brasil. Foi fundada em 1858 pelo Marques de Riscal VI, um apaixonado pelos vinhos de Bordeaux. Implantou em sua bodega técnicas francesas. A sede principal está na cidade de Elciego, na região de Alava. Lá estão os edifícios originais antigos e os novos. A partir de 1883, aproveitaram o crescimento da produção local, a chegada da linha férrea, e expandiram a vinícola. Já em 1895 um de seus vinhos tintos recebeu um Diploma de Mérito em uma Exposição em Bordeaux. Desde então a Marques de Riscal só cresceu. Em 2006 inaugurou o Marques de Riscal Luxury Hotel, projeto do arquiteto canadense, Prêmio Pritzker (1989), Frank Gehry. O hotel está dentro das instalações da vinícola e é uma atração à parte. Em 2011, Marques de Riscal foi escolhida por uma importante revista americana, como uma das 10 marcas de vinhos mais admiradas no mundo. Produz atualmente cerca de 5 milhões de garrafas por ano, e exporta 60% sua produção para 151 países, inclusive para o Brasil.
A Visita e o Tour Há vários tours durante o dia. É recomendável que faça reserva com antecedência, mas pode chegar e entrar em algum, que esteja saindo. O tour é o tradicional, inclui um pequeno vinhedo e um passeio pela parte externa do hotel. A degustação é feita em uma sala confortável ao lado da loja. Os Vinhos As uvas mais utilizadas na produção dos vinhos são tempranillo, garnacha e mazuelo. A tempranillo sempre em uma porcentagem bem grande, acima de 80%. O vinho Marques de Riscal Reserva estagia dois anos na barrica de carvalho, mais um ano na garrafa, antes de ir para o mercado. Nesta região de Rioja, os produtores estagiam seus vinhos um tempo bastante grande, tanto nas barricas de carvalho como nas garrafas, antes de colocarem no mercado.
BODEGAS CONDE VALDEMAR Fiz questão de visitar esta vinícola porque já conhecia e apreciava seus vinhos. A história desta vinícola começa no século XIX. Em 1889, Joaquim Martinez Bujunda fundou em Oyon, uma pequena vinícola. Nos anos seguintes, as gerações que vieram deram sequência à produção de vinhos. A partir de 2008, os filhos Ana e Jesus Martinez Bujunda se incorporaram à empresa e iniciaram novos projetos.
A Visita e o Tour Nossa visita foi à sede principal, onde estão as instalações industriais, o salão dos barris de carvalho, as garrafas em estágios, e a loja. Já de saída, fiquei surpreendido com a limpeza e a organização de todos os ambientes. É de chamar a atenção.
Tours para Pessoas Especiais Conde Valdemar oferece tours para pessoas com necessidades especiais, como cadeirantes e cegos. Para estes tours, foram desenvolvidos materiais específicos, como tabelas de aromas em braile. Francisco fez uma demonstração do tour oferecido aos cegos, mostrando como através do toque e do teste de aromas eles usufruem. Fizemos duas degustações, a primeira durante o tour e a segunda na loja. Os Vinhos da Conde Valdemar Sob a marca Conde Valdemar, produzem a classificação Crianza, Reserva e Gran Reserva, com as uvas Tempranillo, Garnacha e Graciano. Tempranillo sempre dominante, com mais de 85%. Ficam estagiando nos barris de carvalho 13 meses, 27 meses e 30 meses, respectivamente. Um outra linha importante é a Conde Valdemar Magnun, também Crianza, Reserva e Gran Reserva. Também a Tempranillo, com mais de 80%, e em quantidade menor Graciano e Maturana. Estagiam em barris de carvalho 13 meses, 26 meses e 30 meses. Se em sua programação de viagem tiverem tempo e puderem incluir a Conde Valdemar, vai valer a pena. É muito bonita, bem organizada, ótimos vinhos e atendem muito bem.
Nestas viagens é sempre uma ótima oportunidade para comprar vinhos a preços muito bons, comparados com os do Brasil. PROGRAMAÇÃO DA VIAGEM A melhor maneira de vir para a região de Rioja é por Madri. Logroño é uma cidade de porte médio, com boa opções de hotéis, lojas e restaurantes. Haro é bem menor, com menos opções de restaurantes, lojas, mas com um ótimo hotel, Los Agustinos. A guia nos apanhava em seu próprio carro às 10 horas e voltávamos no fim da tarde. O almoço estava dentro da programação das visitas. Cidades Importantes Próximas Logroño e Haro ficam relativamente próximas de várias cidades interessantes, como Bilbao, S.Sebastian, Burgos, Valladolid, Ávila, Pamplona e Biarritz, no sul da França. Com tempo e de carro, dá para incluir algumas destas cidades em seus roteiros. Pelo site do Guia Michelin você pode ter uma ideia de distância e tempo. CIDADES MEDIEVAIS – E O CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA Como sempre faço em minhas viagens para regiões vinícolas, aproveito para conhecer lugares e pequenas cidades ou vilas que tenham alguma história, ou que são simplesmente bonitas. É impressionante o número de peregrinos, de todas as idades, com seus cajados, caminhando entre estas duas cidades. Como estas duas cidades são muito próximas, saindo logo cedo do hotel, é possível visitá-las em meio dia. Se tiver mais tempo, eu diria que um dia inteiro seria o ideal. SAN MILLAN DE LA COGOLLA São dois monastérios da Ordem dos Agostinianos Recoletos. O mais antigo chamado de Suso, que fica em cima da montanha. E o mais novo, do século VI, chamado de Yuso, em baixo, no centro da cidade. Ambos são considerados Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Segundo a tradição, foi o berço do castelhano, a língua espanhola que é falada hoje na Espanha. San Millan ou Santo Emiliano foi um eremita que viveu nas montanhas e que pregava a fé cristã. Após alguns milagres a ele atribuídos, uma comunidade foi sendo instalada a seu redor. A Ordem dos Agostinianos Recoletos construiu um pequeno convento no alto da montanha no século I. No século VI, o Rei de Navarra mandou construir um grande convento para abrigar os restos mortais de San Millan. A principal visita é ao Convento Yuso, no centro da cidade. São dois tours pela manhã, e dois na parte da tarde. Como o convento está habitado pelos religiosos, os tours são rigorosos nos horários. As instalações internas do convento são muito bonitas. É possível visitar o Convento Suso, na montanha. Alguns sobem caminhando. Mas a atração maior é mesmo o Convento de baixo, Yuso.
SANTO DOMINGO DE LA CALZADA Com um centro histórico totalmente preservado é a cidade que recebe os peregrinos que se destinam a Santiago de Compostella, vindos da França, Alemanha, Aústria e outros países do norte e leste europeu. A cidade possui vários pequenos hotéis, hospedarias e albergues. Tudo muito simples, sem qualquer sofisticação. É considerado um santuário cristão-católico. Domingo Garcia foi um ermitão que se instalou às margens do pequeno Rio Oja, e que passou a dar assistência aos peregrinos que passavam pela região. Daí o nome Santo Domingo de La Calzada. Em 1106, fundou a Casa da Confraria do Santo que existe até hoje. Morreu em 1109 com 90 anos.
A Lenda do Galo e da Galinha Diz a lenda que um casal de peregrinos alemães hospedou-se com seu filho na cidade. A filha do dono da hospedaria se apaixonou pelo rapaz. Como não foi correspondida, com ódio, colocou uma taça de prata nos pertences do rapaz. Descoberto, foi preso, julgado e enforcado. Os pais muito tristes oraram e pediram a Santo Domingo por um milagre. Seguiram viagem a Santiago de Compostela e na volta decidiram passar pelo local do enforcamento. Encontraram o filho vivo. Correram para contar para o Juiz da cidade. Dentro da catedral em frente ao mausoléu de Santo Domingo há um galinheiro, em uma linda arquitetura gótica, com um galo e uma galinha de verdade. É uma atração à parte.
A região de Rioja não é muito visitada por brasileiros. Se puder, em uma viagem à Europa, combinar com uma passagem pela região vinícola de Rioja, você vai com certeza se surpreender. É muito linda!
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