SOBRE UVAS, VINHOS E HISTÓRIA… CHÂTEAUNEUF-DU-PAPE…FRANÇA

16 nov 2015 às 08h05

  
ESTE TEXTO É UMA MANIFESTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE
E REAFIRMAÇÃO DA MINHA ADMIRAÇÃO PELA FRANÇA.
  

Châteauneuf-du-Pape fica na região da Provence, no sul da França, muito próximo de Avignon.

Nesta viagem, fui de São Paulo para Paris pela Air France. No aeroporto Charles de Gaulle, fiz conexão para Marseille. Lá aluguei um carro, e em menos de duas horas estava chegando em Châteauneuf.

A última vez na Provence há alguns anos, hospedei-me em Saint Rémy, e de lá visitei toda a região, Avignon, Le Beau, Salon-de-Provence, Pont D’Gard e Châteauneuf.

Desta vez, preferi me hospedar em Châteauneuf.

Hotel Fines Roches Hotel Fines Roches – Vista do quarto

Há várias opções de hotéis, pousadas e agroturismo.
Ficamos em um hotel/agroturismo muito perto da cidade, Château de Fines Roches. A arquitetura e a decoração interna lembram um castelo medieval. Os quartos são bem espaçosos, com vista para os vinhedos.
Oferecem um bom café da manhã e opção de jantar, à la carte.

A cidade possui poucas opções de restaurantes, e é conveniente fazer reserva. Há três restaurantes no centro e um no alto próximo do Castelo, com vista para o Rio Rhone.

A cidade é bem pequena, com praticamente duas ruas de comércio, sendo que a mais importante é a estrada que passa por dentro da cidade.
Há uma farmácia, três restaurantes, um banco, uma lanchonete e muitas lojinhas e espaços para a venda e a degustação de vinhos. A cidade vive totalmente da produção de vinho.

Châteauneuf du Pape – centro
   
Châteauneuf du Pape – centro
   

Loja de degustação Restaurante Las Verges das Papas

Quando da programação da viagem, contatei antecipadamente a Wine Prestige Tours de Pierre Fernandez para programar e reservar as visitas às vinícolas, em tour  privado para 2 pessoas.
Pierre,
além do francês, fala fluentemente espanhol e inglês.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Já se produzia vinhos em 600 a.C. Dominaram esta região Celtas, Romanos e Gauleses.

Em 1304, o rei da França, Felipe, o Belo, que na época tinha um grande poder, entrou em atrito com o Papa Bonifácio VIII questionando o poder da Igreja de Roma de interferir na política e nos destinos das nações.
Com a morte de Bonifácio VIII, o rei consegue eleger como Papa o francês Clemente V, e o obriga a transferir a sede da Igreja Católica para Avignon.

O Papado ficou em Avignon de 1305 a 1377.
Este período é chamado de cativeiro babilônico dos Papas, porque foi o mesmo tempo que os judeus ficaram escravos na Babilônia. Neste período de 72 anos, comandaram a Igreja, sete Papas franceses.

Em 1377, o Papa Gregório XI levou de volta a sede da Igreja Católica para Roma.

De 1378 a 1417, a Igreja Católica teve Papas simultaneamente em Roma e Avignon.
Em 1417, o Papa Martinho unificou a Igreja.

O primeiro Papa Clemente V, governando a partir de Avignon, não deixou grande legado.
Foi o segundo, Papa João XXII, que deixou marcas importantes no pensamento e postura da Igreja, dinamizou e valorizou toda esta região.

Durante seu pontificado estimulou a plantação de vinhedos e a produção regular de vinho, em todas as regiões às margens do Rio Rhone. Construiu uma residência de Verão em uma área nobre.
Do castelo, em cima de um morro podiam ver as torres do Palácio Papal de Avignon, e através do sol refletido em espelhos podiam se comunicar.

O que sobrou do castelo do Papa Châteauneuf du Pape

Esta vila passou a ser conhecida como Châteauneuf-du-Pape, Castelo Novo do Papa, em 1893.

Após a volta do Papado para Roma, o castelo passou a pertencer ao município, e a cidade continuou a produzir um vinho da mais alta qualidade.

O castelo no alto da cidade foi preservado até a 2ª Guerra Mundial. Os nazistas fizeram dele sua base de apoio.
Quando da aproximação dos Americanos, antes de sair em retirada, explodiram, deixando-o em ruínas. Restaram somente duas grandes paredes em pé.

 

SOLOS DE PEDREGULHOS E ARGILA

Há 2 milhões de anos, o mar chegava até Châteauneuf-du-Pape.

Ali era a desembocadura do Rio Rhone. Na época, muito mais largo.

Com o estouro do Canal de Gibraltar e a invasão do Oceano Atlântico, formando o Mediterrâneo, o Mar Egeu e o Mar Negro, houve uma acomodação que fez com que o mar recuasse até onde está hoje, em Marseille.

Como era em Châteauneuf, a desembocadura do Rio Rhone, ao recuar o mar deixou um depósito de sedimentos, repleto de pedregulhos, pedras, trazidos dos Alpes,  misturados com argila.

Em volta de Châteauneuf encontram-se vários tipos de solos, muito próximos um dos outros.

Uma das coisas que mais me impressionou foram os vinhedos plantados em pedregulhos.

São 6 metros de profundidade.
As raízes para atingirem a terra descem mais de 12 metros.
O replantio é feito por uma máquina especial que abre um buraco de 2 metros.
Colocam uma porção de terra para fixação. Depois, fica por conta da planta fazer com que suas raízes desçam até o solo de argila.

Há vinhedos plantados sobre pedras, como no Douro.

Há também vinhedos plantados em solos de pedregulhos e pedras, misturados com argila.

Solo de pedregulho e argila
  
Solo de pedregulho – 6 metros de profundidade
 

Solo de pedras
    
Solo de pedregulhos
   

Solo de pedras
   
Solo de pedras – pedregulhos
  

O VENTO MISTRAL

Um fator importante para o terroir da região é o vento Mistral.
Ele sopra do norte em direção ao Mediterrâneo, pelo vale do Rio Rhone, principalmente durante a Primavera e o Inverno.
Violento, seco, frio, mesmo em dias ensolarados, chega a atingir a velocidade de 100 km por hora.
O Mistral, no entanto, contribui com dois fatores importantes.
O vento constante não deixa que insetos ou pragas se estabeleçam nos vinhedos.
Elimina o excesso de umidade das chuvas, mantendo o ar relativamente seco, que é ótimo para a uva.

  
FILOXERA – A PRAGA

Foi justamente nesta região, em 1866, na cidade de Pujaut que a FILOXERA foi identificada pela primeira vez, na França e em toda a Europa.
Em post anterior, expliquei que o inseto da Filoxera ataca as raízes.
E foi em Châteauneuf-du-Pape que o viticultor Joseph Ducos do Châteaux La Nerthe encontrou a solução, sugerindo arrancar todos os vinhedos e replantar cepas mais resistentes trazidas dos EUA.
Joseph Ducos
pelo reconhecimento seguiu uma carreira política foi Prefeito de Châteauneuf-du-Pape e depois Deputado Federal.
A belíssima vinícola Châteaux La Nerthe pertence hoje a outros proprietários, mas preserva a identidade e cultua a história de seu famoso ex-proprietário.


DIVISÃO DA REGIÃO E CASTAS

A produção de vinho na região do Rio Rhone inicia na cidade de Vienne, 20 quilômetros ao sul de Lyon e termina em Avignon.
É uma região bem ampla produzindo vinhos.

Se na Borgonha a classificação dos vinhos foi feita pelos monges há mais de 600 anos, na Provence foram estabelecidas outras convenções mais recentemente.

A Região Demarcada do Rhone (Appelation d’Origine Controlee – AOC) está assim classificada:

  • 16 vinícolas têm seus vinhos classificados como Crus AOC
     
  • 17 vinícolas produzem e classificam seus vinhos como Côtes du Rhone Village + Geografic Name AOC
     
  • 95 vinícolas classificam como Côtes du Rhone Village AOC

Todos os outros produtores, cerca de 5.200, têm seus vinhos classificados como simplesmente Côtes du Rhone.

Vinhedos ao redor de Châteauneuf du Pape
   
Vinhedos no meio das casas
  

Vinhedos, ao fundo o castelo do Papa
   
Vinhedo de grenache
  

Estas classificações são estabelecidas por um órgão federal denominado Instituto Nacional de Origem e da Qualidade que controla não só a produção dos vinhos em todo país como as produções de queijo, carne, mel, manteiga, lavanda e outros produtos.
Cuidam da demarcação das regiões, da qualidade e quantidade, dos principais produtos da França.

Nas regiões próximas de Châteauneuf-du-Pape,a casta dominante é a Grenache.

Mais ao norte, em Cornas, Hermitage, Crozes Hermitage e St. Joseph,a casta dominante é a Syrah.

Algumas vinícolas fazem o blend com estas duas uvas, predominando sempre a casta mais importante de cada região.

VISITAS A VINÍCOLAS

Toda minha programação de visitas foi feita pelo Pierre Fernandez, proprietário da Wine Prestige Tour. Pierre além de um excelente e agradável guia, conhece tudo de vinho e da região.

Para quem desejar contatá-lo, seu site é www.wineprestigetour.com

Fomos a quatro vinícolas. A primeira, bem tradicional e familiar, La Boutiniere.
Considerado um produtor de porte pequeno, enfatiza a qualidade.
O proprietário Frederic Boutin além de produtor de vinhos é jogador de rúgbi.
Em Châteauneuf-du-Pape,o rúgbi é o esporte principal.

La Boutiniere com Frederic Boutin e Pierre Fernandez Vinho direto do barril

Depois visitamos Domaine Durieu, Château La Gardinee e Château La Nerthe.
Cada uma com sua história de família e tradição na produção de vinhos da mais alta qualidade.
Domaine Durieu
enfatiza a produção de vinhos orgânicos. Seus vinhedos são livres de agrotóxicos.

Château La Gardine, muito próxima do Rio Rhone, é tradicional e histórica. Em nossa visita,nosso guia Pierre obteve uma autorização especial para que pudéssemos entrar na adega particular do proprietário. Um espaço simples, escuro, e com uma variedade maravilhosa de vinhos especiais.

Château La Gardine – adega do proprietário Degustando no Château de Gardine

Château La Nerthe, que pertenceu a Joseph Ducos, foi para mim muito especial pelo que representou na história dos vinhedos e dos vinhos na França e em todo o mundo. Pois foi desta vinícola que saiu a solução para o problema da Filoxera, na França e em todo o mundo.
Fomos muito bem recebidos e conduzidos por Sylvie Chabran.
Visitamos vinhedos, as instalações e degustamos vinhos muito especiais.

Há nesta vinícola um serviço de armazenagem para importantes clientes. Empresas e empresários de toda a França compram um lote de garrafas de uma safra especial, que são estocadas em locais apropriados.
Quando desejam garrafas para o consumo, fazem a solicitação e a vinícola manda entregar. É cobrada taxa de armazenagem e de entrega.
Com isto, o cliente mantém sua adega no espaço do produtor, muito bem conservada e sem que o vinho sofra com manuseios.

Parede falsa- 2º Guerra Mundial 
   
Château La Nerthe, com Sylvie Chabrau e Ruth Assumpção
   

Armazenagem de vinhos de clientes Degustando vinho – La Boutiniere

Um momento marcante foi a visita no subsolo a um espaço onde durante a 2ª Guerra Mundial os vinhos eram escondidos nas paredes. Estão preservadas as prateleiras e ainda algumas garrafas de vinhos daquela época.

Na região do Rio Rhone há diversas cidades e vinícolas para visitar. A maioria produzindo ótimos vinhos. Se vier a Châteauneuf-du-Pape programe visitar vinícolas independentemente de escolha. Volto a sugerir que faça uma programação antecipada, e volto a sugerir o Pierre Fernandez. Você vai ganhar tempo e ficar satisfeito.

Se na sua programação vier de Lyon recomendo fortemente que passe e visite alguma vinícola na região de Hermitage, Saint Joseph. Ali produzem com a casta Syrah, para alguns, os melhores vinhos de todo o Rhone.

Se sua viagem à Provence tem como objetivo visitar vinícolas e vinhedos, recomendo vir de Maio a Novembro, preferencialmente Julho, Agosto e Setembro.

Na primeira semana de Agosto, durante 4 dias,em Châteauneuf celebram a Festa Medieval do Vinho. São armadas barracas de bebidas, comidas, os habitantes vestem roupas medievais, há muita música, diversas atrações e o vinho é servido em canecas.
O turista compra uma caneca e bebe quando puder. A cidade e a região ficam superlotadas.
Os turistas reservam hotéis em cidades de toda região. Gosto muito de toda esta região da Provence, é romântica, histórica e tem um vinho ótimo!

No próximo post, vou comentar e sugerir algumas cidades nesta região do sul da França, que valem muito a pena incluir em suas programações de viagem.

    

  

 Estou à disposição para dúvidas ou dicas:miltonassumpcao@terra.com.br

   

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