SOBRE UVAS, VINHOS E HISTÓRIA… TROYES… ÉPERNAY… CHAMPAGNE

02 set 2015 às 13h30

Em Fevereiro/2015 eu dediquei um texto à região de Champagne.
 
Além da história da bebida, falei de Don Pérignon, que teve uma atuação destacada no desenvolvimento e na produção do champagne.
 
Como decidi que todos estes textos vão virar um livro, retornei a esta região para obter mais informações.
 
Nesta última viagem, programei o roteiro indo primeiro à Beaune, na Borgonha, depois visitei as cidades medievais da região, passei por Chablis e segui direto para Troyes.
  
Você pode conferir e ler os textos de todos estes lugares no blog.

  
TROYES

De Chablis a Troyes são 72 quilômetros, ou 1 hora e vinte minutos.

Troyes fica ao sul de Champagne, muito próximo da divisa com a Borgonha.

Até o século XV, Troyes era considerada a cidade mais importante desta região, e a principal produtora de champagne.

Após o século XV, a grande produção foi deslocada para Épernay e Reims, onde se instalaram os novos e grandes produtores.

Estas duas cidades representam ¾ de toda a produção.

Em Troyes estão os pequenos produtores e famílias centenárias produzindo um champagne de qualidade excepcional.

Eu diria que Troyes é a uma boutique do champagne.

 

No casamento do Príncipe William e Kate Middleton, o champagne servido foi da região de Troyes, produzido por uma mesma família há 400 anos.
 
Há mapas e indicações, nos hotéis e no escritório de turismo, das muitas vinícolas ao redor da cidade.
  
Eles também ajudam a programar e reservar as visitas.
 
No centro antigo, no fim da principal rua de comércio, o Bar Aux Crieurs de Vins oferece degustação de vinhos e tira-gostos. O happy hour é muito concorrido. Você pode degustar, ao copo, diversas marcas locais.
 
Nesta região há também muitos bares, com mesas nas calçadas, bem movimentados.
 
No Mercado Municipal, também no centro, há boxes com degustação de champagne, pratos rápidos com presuntos, queijos, salames e frutos do mar.

  
É uma das cidades antigas mais bonitas que eu conheci. É muito linda.

No centro estão os prédios e as construções remanescentes do século XV e XVI.

A cidade é banhada pelo Rio Sena.
  
Há um canal que capta água do rio para consumo dos moradores, o que dá um toque especial.
Lembra um pouco Colmar na Alsácia e Brugge na Bélgica.
 
Este canal divide o centro antigo e o mais antigo.
 
De um lado, as ruas do comércio, com lojas, bancos,restaurantes, bares e diversos hotéis.
 
Do outro, a Catedral, os prédios públicos e alguns hotéis típicos.
 
Na Catedral de São Pedro e São Paulo, há um relicário com algumas relíquias trazidas por Cruzados da Terra Santa.
  
Entre todas, as mais significativas são um dente de São Pedro, um fio de cabelo de Maria, mãe de Cristo, um osso de Maria Madalena e um pedaço do crânio de São Bernardo.
 
Várias cidades da França têm relíquias de santos ou personagens que viveram próximas de Jesus Cristo.
 
Uma das missões dos cruzados era trazer relíquias para suas cidades e torná-las reconhecidas.
 
Apesar de todas estas relíquias, a Catedral não é considerada um local de peregrinação religiosa.
 
Troyes é a capital oficial da região de Champagne.

O primeiro nome da cidade foi Augustobona Tricassium em homenagem ao Imperador Romano Augusto, que derrotou os Celtas no século I.
 
Os romanos dominaram a região por quatro séculos. No século V passou as ser chamada de Civitas Tricassessium, e oito séculos depois, já com a dominação dos Francos, recebeu o nome definitivo de Troyes.
 
Em 451, sofreu com a invasão de Átila, rei dos Hunos, e em 887 com uma surpreendente invasão dos Vikings.
 
A cidade teve um desenvolvimento muito grande a partir do século I, quandoConde de Champagne criou uma Feira de Negócios, com exposições e vendas de produtos em geral.
  
As feiras de Troyes estavam consideradas entre as mais importantes de toda a Europa.
 
Uma importante razão que tornou a Feira de Troyes atraente era a segurança que o Conde proporcionava aos expositores, comerciantes e visitantes.
 
A cidade cresceu e se desenvolveu muito durante vários séculos, até que a Guerra dos 100 Anos provocou a paralisação das Feiras.
 
Em 1429, Joana D’Arc e o rei Carlos VII conquistaram e devolveram aos Francos o controle da cidade. As Feiras foram retomadas, mas não com o sucesso do passado.
 
Estas Feiras existem até hoje.
 
Há em Troyes um reconhecimento explícito desta façanha de Joana D’Arc.
  
Um ano depois, em 1430, ela foi aprisionada pelo Duque da Borgonha que a vendeu aos Ingleses.
 
Foi martirizada e queimada em praça pública, como um exemplo aos inimigos.

  
Em um dos livros dos Três Mosqueteiros, o autor Alexandre Dumas situa a aventura em Troyes.
 
Algumas agências e restaurantes têm se utilizado desta referência para promover e atrair turistas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a cidade foi dominada e controlada pelos Alemães.
  
Troyes teve a sorte de ter sido preservada dos bombardeios.

Minha sugestão é que dedique à Troyes dois dias inteiros. Um para visitar vinícolas e outro para passear pela cidade.
  
Para se hospedar, sugiro ficar no centro. Há várias opções de hotel, inclusive de cadeias internacionais.
 
Como a cidade não é grande, cerca de 60.000 habitantes, dá bem para entrar e sair de carro, sem grandes problemas.

  

 
ÉPERNAY
Há pouco tempo fiz para o blog um texto sobreÉpernay, que envolveu a história do champagne, com grande ênfase no verdadeiro legado de Don Pérignon.
 
Este é uma complementação desta minha última viagem.
 
Eu recomendo que leiam o texto anterior para entender melhor… ÉPERNAY.

De novo me hospedei em um hotel no centro da cidade, bem próximo da Avenue de Champagne, onde estão os principais prédios dos produtores a serem visitados.
 
A grande maioria não requer reservas para visita e degustação. Os tours são em Francês e Inglês, mas há também alguns poucos em Espanhol e Italiano.

O que me fascina nestes tours é ouvir as histórias de empreendedorismo, de produtores, que iniciaram seus negócios há vários séculos e, através de bem-sucedidas sucessões familiares, mantêm o negócio lucrativo até hoje.
 
A maioria das grandes casas tornou-se corporações, mas preservam a identidade familiar que as conduziu através dos tempos.

Moët & Chandon é a marca mais importante de Épernay.

O prédio para visitação e degustação é o primeiro da Avenue de Champagne.
 
Muito do sucesso desta bebida deve-se a esta marca.
 
A Moët foi fundada em 1743 por Claude Moët, mas foi seu neto Jean-Remy Moët que, já no fim do século XVIII, promoveu o Champagne como uma bebida de categoria especial.
 
Sua amizade pessoal com Napoleão Bonaparte ajudou a tornar a marca reconhecida na França, na Inglaterra e outros países da Europa.
 
Há uma placa registrando a visita de Napoleão à Moët & Chandon em Épernay, com a data de 26 de Julho de 1807.
 
A marca Chandon foi incorporada no fim do século XVIII, por sucessão familiar, quando, na repartição dos bens feita por Jean-Remy, metade ficou com seu filho e outra metade com a filha, casada com Pierre Gabriel Chandon.

Moët & Chandon faz parte hoje de um grupo internacional de produtos de alta qualidade, que inclui Louis Vuitton.
 

É o Champagne preferido da Rainha Elizabeth II.

Um outro exemplo de empreendedorismo nesta região de Champagne.

Na segunda metade do século XIX, o jovem empreendedor Eugene Mercier, que já tinha um certo reconhecimento no mercado, convenceu alguns empresários a investir na produção de champagne.
 
No projeto, foram estabelecidas algumas premissas importantes.
 
O champagne seria produzido a partir de uvas compradas de diversos produtores.
 
Não se investiria em vinhedos.
 
Ele seria o responsável principal, com totais poderes.

A marca levaria seu nome – Mercier.
  
A marca Mercier em muito pouco tempo tornou-se reconhecida, na França e em todo o mundo graças às ações de promoção e marketing que ele desenvolveu.
  
O curioso é que naquele tempo, o marketing, como é reconhecido hoje, não existia.
 
A Feira Mundial de Paris de 1889 era uma vitrine para a França e para o mundo.
 
Feiras Mundiais eram onde empresários de todo o mundo iam descobrir e conhecer novos produtos.
 
Inglaterra e Estados Unidos eram grandes consumidores de vinhos.
 
Eugene Mercier mandou construir na Hungria, em carvalho, um tonel com capacidade para 160.000 litros ou 213.000 garrafas, pesando 20 toneladas.
 
Na abertura da Feira Mundial de 1889, ele entrou em Paris com o tonel puxado por 12 juntas de boi, e desfilou pela Champs-Élysées.
 
A degustação do champagne Mercier atraiu milhares de pessoas, comerciantes, exportadores e importadores de vinho.

Depois da Torre Eiffel, foi a maior atração.
 
Este tonel está em exposição no saguão principal do prédio da Mercier.

   

Dez anos depois, já muito reconhecida em todo o mundo, na Feira Mundial do Século em 1900, também em Paris, abriu para degustação um Open Bar em um balão a 300 metros de altura, preso por um cabo de aço.
 
O balão tinha altura da Torre Eiffel, e em destaque a marca –Mercier.
 
Vale lembrar que Santos Dumont só decolou com o seu 14 Bis em 1906, ali mesmo em Paris.
 
No final Feira, como atração, programaram um voo do balão de volta a Épernay.
 
O mau tempo desviou o balão, e com muita dificuldade conseguiram pousar na Bélgica.
 
Os policiais belgas descobriram dentro do balão seis garrafas de Champagne e autuaram os ocupantes.
 
Na semana seguinte, a história do balão e das seis garrafas da Mercier estava em todos os jornais da Europa.
 
Foi uma tremenda propaganda espontânea.

  
Em 1896,os Irmãos Lumière, em Lion, haviam inventado o cinema.
 
Em 1899, Eugene Mercier encomendou dos Irmãos Lumière o primeiro filme de propaganda de um produto, de uma marca, na história das comunicações.
 
O filme A produção do champagne da uva até o copo foi produzido em dois anos e assistido por mais de 3,7 milhões de expectadores.

  

LION

Aproveito para recomendar, se você for a Lion visitar a Mansão Lumière, museu da história do cinema.
 
Lá estão a Rua, o Galpão e a Máquina do Primeiro Filme, além de diversas outras máquinas e objetos relacionados à invenção e à criação do cinema.
 
É possível também assistir ao Primeiro Filme–L’Arrivée d’untrainen gare de La Ciotat– de 60 segundos e a muitos outros que o seguiram.
 
Este filme é encontrado facilmente na Internet.
 
Os Irmãos Lumière também fizeram várias invenções na área da fotografia.
 
Lion é a segunda maior cidade da França. Foi também a segunda mais importante cidade dos romanos depois de Roma.

  

Voltando à Épernay e a Eugene Mercier.

Ele foi a seu tempo um gênio em comunicações.
 
Deixou firmada na sua empresa uma cultura organizacional que funciona até hoje.
 
Em 1927, a Mercier deu de presente de casamento a um dos familiares da Moët & Chandon a marca Don Pérignon.
 
Moët & Chandon havia comprado todos os vinhedos e as dependências dos frades beneditinos, faltava só a marca Don Pérignon, que Eugene Mercier, inteligentemente, havia registrado em seu nome.
 
A marca Don Pérignon é hoje a top de linha da Moët & Chandon.

Indo a Épernay, estes dois lugares são visitas obrigatórias – Moët & Chandon e Mercier.

  

DEGUSTAÇÃO COM ARQUEOLOGIA

Na última viagem conheci um lugar incrível, e que recomendo fortemente que visitem. A indicação foi de uma atendente no Escritório de Turismo, que fica logo no início da Avenue de Champagne.
 
La Cave auxCoquillages fica na pequena vila de Fleury-la-Rivièrea vinte minutos de Épernay.
 
Saindo de carro em direção a Paris pela D3, cinco quilômetros depois há uma indicação para a vila deDamery. Passa por dentro dela, atravessa o Rio Marne, alguns poucos quilômetros chega a Fleury-la-Rivière.
 
É uma pequena vila de uma só rua, e a La Cave auxCoquillages fica quase no fim desta rua.

   

A indicação e a reserva para às 14h30 foram feitas pela assistente no Escritório de Turismo, que explicou que eram poucos tours, com número limitado de pessoas.
 
Ela nos deu um mapa e indicou a direção.
 
Chegamos ao local quinze minutos antes. Era uma residência antiga, encostada em um morro, onde estavam os vinhedos. Tocamos a campainha do portão e veio atender o proprietário, um senhor de meia-idade, magro alto e muito simpático.
 
Levou-nos até um salão, que percebi que era da degustação, e lá estavam um outro casal e duas crianças de cerca de 7 anos de idade, que iriam no tour conosco.
 
No horário certo, às 14h30 nos deu um protetor de plástico para os sapatos, e iniciamos o tour.

Abriu uma grande porta e apareceu um túnel escavado por dentro do morro, no qual nós entramos.
 
Encravados nas paredes do túnel foram aparecendo fósseis, caramujos de todos os tamanhos, peixes, milhares de conchas.
 
À medida que caminhávamos, ele ia explicando a que período da história geológica pertenciam.
 
Chegamos a um pequeno museu onde havia uma exposição dos diversos fósseis já catalogados e separados por ordem dos períodos geológicos.
 
Caminhamos pelos túneis até um lugar onde estavam dois jovens estudantes de arqueologia, coletando material do solo.
 
Ele então pegou uma pequena pá, raspou do chão uma quantidade de uma terra arenosa, peneirou e mostrou uma quantidade grande de pequenas conchas.
 
“Aqui há 55 milhões de anos era mar!”
 
Seguimos e entramos em um laboratório onde havia mais três estudantes limpando e selecionando os fósseis. Ele se sentou e mostrou como os fósseis eram identificados e selecionados.
 
De lá, fomos para o salão de degustação.
 
Ele explicou que era apaixonado por arqueologia e que aliava este trabalho como prazer de produzir champagne.

As raízes do seu vinhedo descem mais de nove metros e atingem este terreno arenoso, com fósseis marinhos e trazem nutrientes especiais para as uvas, que, por sua vez, dão um sabor todo especial para o champagne.
 
Difícil descrever o sabor, mesmo porque a gente fica contagiado pelo que viu no tour.

Posso garantir que é diferente dos outros que degustei. Trouxe duas garrafas.
 
O lugar é utilizado para práticas de estudantes de arqueologia.
 
É um passeio que vai levar, contando o tempo de ir e vir, no máximo três horas.

 
Tanto em Troyes como em Épernay e Reims é um prazer enorme sentar-se no fim da tarde em uma mesa de bar, na calçada, apreciando o vai-e-vem das pessoas, degustando um copo de champagne.
 
Ou então, no jantar, beber de entrada um copo de Champagne e depois, com a comida, um bom vinho regional.
 
Importante, os franceses são muito orgulhosos de seus vinhos. Recomendo que no jantar peça sempre um vinho da região.

 
Estou à disposição para dúvidas ou dicas:miltonassumpcao@terra.com.br

  

Principal rua do comércio em Troyes Construções do século XV e XVI
   

Símbolo da cidade Troyes

Box de degustação de champagne e vinhos no Mercado Central

    

Catedral de São Pedro e São Paulo em Troyes

Relíquias de Santos trazidas pelos Cruzados

   

Placa com homenagem à Joana D’Arc

Degustando champagne em Troyes

   

Túmulo de Don Pérignon no convento Beneditino

Poster da Mercier para a Feira Mundial do Século em 1900

   

Túnel com fósseis marinhos nas paredes

Mostra de fósseis já catalogados por era geológica

   

Local que estão pesquisando neste momento

Limpeza e catalogação de fósseis – crianças atentas e interessadas

   

Museu subterrâneo com fósseis catalogados por era geológica

Tonel de carvalho apresentado na Feira Mundial de Paris de 1889

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *