SOBRE UVAS, VINHOS E HISTÓRIA… ALSÁCIA-LORENA
11 abr 2016 às 11h53
Alsácia-Lorena é uma região muito bonita, a nordeste da França, com cidades históricas importantes e pouco conhecidas pelos brasileiros. É muito visitada pelos suíços, alemães, italianos e os próprios franceses. É uma região de produção de vinho branco de alta qualidade. Para os amantes do vinho, que têm no tinto a referência maior, o fato de ser uma região dominante de vinho branco faz com que não tenha uma atração significativa. Ali estão cerca de 15 vilas medievais muito próximas uma das outras, lindas, coloridas, com muralhas, em um vale em meio aos vinhedos. Independentemente da atração dos vinhos brancos é tão linda que vale muito a pena visitar. Geograficamente, se seguirmos o Rio Reno, da cidade de Basel em direção ao norte, a Alsácia-Lorena é toda esta região do lado esquerdo do rio. Do outro lado, à direita do Reno, fica a Floresta Negra, Freiburg, Baden-Baden e outras cidades do circuito das águas termais da Alemanha.
Pela sua localização privilegiada, com o Rio Reno passando por toda sua extensão, foi durante muito tempo alvo de disputas entre povos. Os registros históricos mostram que a região era habitada por Celtas e compartilhada com os Gauleses, um povo nômade que vivia as margens do Reno. Os romanos dominaram a região nos séculos I, II e III. Após o domínio romano, nos anos que se seguiram, de tempos em tempos passou pelo domínio de alguns países e governantes importantes, como Frederico Barbarossa, do Sacro Império Romano-Germânico; Carlos Magno, rei dos Gauleses e dos Romanos; Átila, rei dos Hunos; Luiz XIV, rei da França; e Napoleão Bonaparte, imperador da França. A influência alemã é muito destacada nos costumes, nas construções, na alimentação, cerveja e vinho. Toda esta região à margem do Rio Reno, tanto do lado francês como do lado alemão, tem muitas semelhanças.
ESTRASBURGO A capital e cidade principal é Estrasburgo. Já havia uma aldeia Celta quando os Romanos em 12 AC fundaram a cidade. Tornou-se um ponto estratégico para a dominação dos romanos em toda a Europa, principalmente pela utilização do rio para transportes de bens e armamentos. Estrasburgo, por ser a capital da Alsácia-Lorena, teve um protagonismo importante. Após os romanos e francos em 842, a cidade passou várias vezes pelos domínios da Alemanha e da França, até que em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, passou definitivamente ao domínio dos franceses. A dominação de vários povos desenvolveu culturas e costumes próprios, que tornaram a cidade mais atraente. A influência alemã na alimentação, na cerveja, no vinho e na arquitetura das construções é muito marcante. Estrasburgo fica praticamente à margem do Rio Reno, na divisa com a Alemanha, próximo de Frankfurt. Há vôos diretos de várias cidades da Europa. De Paris de TGV ou carro leva no máximo quatro horas. De Frankfurt ou Basel, são duas horas. É uma cidade muito movimentada nos negócios, política, eventos culturais e turismo.
O Rio Reno forma vários canais navegáveis dentro da cidade, ajudados por diques que controlam o fluxo das águas. Uma das principais atrações são os passeios de barco. No centro comercial, com seus prédios e construções muito bem preservadas, há um calçadão que vai da Estação Central de Trens até a Praça de Gutemberg, com diversos hotéis, lojas, boutiques, bares e restaurantes. Gutemberg viveu muitos anos em Estrasburgo. A cidade compete com Mainz, cidade alemã bem próxima, pelo mérito de ter sido o local de impressão das famosas Bíblias. Mainz é uma cidade ao norte de Estrasburgo, na confluência do Rio Reno com o Rio Mainz. O mesmo que passa dentro de Frankfurt. É uma cidade movimentada, com um centro comercial muito ativo e a atração maior é o Museu de Gutemberg. Lá estão, em uma sala-cofre, dois volumes originais da Bíblia. O museu tem outras atrações, inclusive uma demonstração de impressão da Bíblia em uma prensa da época.
Voltando a Estrasburgo, uma das maiores atrações é a Cathédral e Notre-Dame-de-Strasbourg. Em 1880, a Catedral de Colônia, também na Alemanha, tirou-lhe o título. A catedral de Estrasburgo pela sua beleza interna e externa é uma visita obrigatória. Inclui um relógio astronômico do século XVII e um museu histórico importante. Para atingir o alto da torre, de onde se vê toda a cidade, é preciso subir 332 degraus. Atrás da Catedral, está o palácio de Napoleão Bonaparte. Há um tour no centro da cidade, que é feito caminhando, com o acompanhamento de guia ou individualmente. Se preferir ir por conta própria, no escritório de turismo, que fica ao lado da Catedral, você aluga um headphone com um mapa, com a indicação de um roteiro histórico a ser seguido. É bem fácil e simples. Neste roteiro, a pé, você circula por todo o centro histórico, parando nas atrações indicadas. Através do headphone ouve-se a explicação e a história do lugar. São no máximo duas horas. Uma das paradas é no restaurante mais antigo, Le Lohkas, uma taverna de 1676. Você pode aproveitar e reservar a mesa para o jantar da noite. O lugar é muito bonito, a comida é boa e não é caro. Outras atrações da cidade são a região Petit France, com vários edifícios antigos, com restaurantes à beira do rio, o Museu do Chocolate, o Museu Palais des Rohan do século XVIII, e o Parlamento Europeu. Uma atração super especial no fim do ano é o Mercado de Natal, com mais de 350 chalés de madeira espalhados por toda a cidade, principalmente na região central, com artigos natalinos. É um festival de cores e luzes, muitas vezes complementado pelo branco da neve. Estrasburgo, pela sua condição de sede do Parlamento Político da União Européia e pelas suas atrações turísticas, oferece uma gama enorme de bons hotéis para todos os níveis e bolsos. Minha recomendação é que se hospede na região central. Através do Trip Advisor é possível escolher um bom hotel. Dois dias inteiros são ideais para conhecer Estrasburgo.
Ao sul de Estrasburgo, em um vale que vai do Rio Reno até as montanhas do Vosges, está a região do vinho da Alsácia e algumas das cidades medievais mais lindas da França. A maior delas e capital desta região é Colmar, uma mini Estrasburgo. O centro antigo da cidade, com alguns canais navegáveis, preserva construções do período medieval. Não há registro histórico muito preciso da sua fundação, mas como Estrasburgo, Colmar teve influências e dominações de celtas, romanos, gauleses, alemães e franceses. Colmar foi a última cidade da França a ser abandonada pelos nazistas, em 1945.
Muitos preferem se hospedar em Colmar e de lá sair visitando as cidades medievais e seus vinhedos. Colmar oferece várias opções de hotéis e restaurantes na região central e turística. Apesar de ser de tamanho médio, entrar e sair da cidade para visitar a região vai sempre levar algum tempo. As cidades medievais espalhadas pelo vale ficam muito próximas uma das outras, rodeadas pelos vinhedos. Uma opção que fiz várias vezes foi me hospedar em uma delas, no centro do vale, e de lá sair visitando todas as outras, destinando um dia inteiro para Colmar. SOLO E TERROIR Quando da movimentação das placas tectônicas, que separaram os continentes e formaram os Alpes, abriu-se um vale por onde corre hoje o Rio Reno. No período de sua formação, a água do degelo trouxe uma quantidade de sedimentos e areia das montanhas. Este solo arenoso e com rochas no subsolo é propicio a uvas destinadas à produção do vinho branco. As raízes descem de 10 a 20 metros de profundidade para buscar nutrientes. O clima é úmido, dada a aproximação do Rio Reno e das montanhas, muito quente no Verão e muito frio no Inverno. O terroir é 100% favorável ao vinho branco. A produção do vinho tinto é pequena. CASTAS DE UVAS As principais castas de uvas são: Gewürztraminer, com alto teor de açúcar, é destinada aos brancos secos e adocicados. Silvaner, com um teor de açúcar um pouco menor, é mais plantada em solos mais pobres, com a expectativa de um vinho de qualidade inferior e mais barato. Rieslling é a mais importante casta de toda a região. Proporciona vinhos secos e altamente aromáticos. Dependendo do grau de mineralidade do terroir, proporciona possibilidade de um vinho que pode ser guardado por alguns anos. Tradicionalmente o vinho branco não oferece grande tempo de guarda.
Há nesta região um vinho especial licoroso, produzido tanto com a Rieslling como a Gewürztraminer, em que a uva é colhida quase seca, e os franceses dão o nome de Vin de Glace. Na Alemanha, é conhecido com Eiswein. Outras castas plantadas na região são as Auxerrois Blanc, Muscat D’Alsace, e Pinot Noir para alguns poucos vinhos tintos. Pinot Blanc é a mais utilizada para o espumante Cremant d’Alsace. Nesta região, os vinhos também têm as classificações Premier Crus, Grand Crus e Village. A região é controlada pelo Institut National des Appellations d’Origine et de la Qualité. ROTEIRO DOS VINHOS E ONDE SE HOSPEDAR Como disse anteriormente, você pode se hospedar em Colmar e de lá sair para visitar as vinícolas e as cidades medievais. Uma sugestão é se hospedar na vila medieval de Riquewihr, que fica no cento do vale, muito próximo de todas as outras cidades e no meio dos vinhedos. Neste caso, reserve um dia inteiro para visitar Colmar.
Riquewihr é uma pequena cidade medieval do século XV, charmosa, cercada de muralhas e com só uma rua, onde ficam as lojas, butiques, bares, restaurantes e os espaços para degustação de vinhos. Ribeauville é uma cidade também medieval, um pouco maior que Riquewihr, com uma variedade maior de lojas, butiques, bares e restaurantes. É uma cidade linda. No alto do campanário da igreja, há ninhos de cegonhas.
Estas vilas medievais são todas muito lindas, mas algumas por atrações específicas são as mais visitadas. Eguisheim foi considerada em 2006 como a vila medieval mais linda da França. Cidade natal de Bruno d’Eguisheim-Dagsbourg, eleito Papa sob o nome de Leão IX. Seu papado foi de 1026 a 1051, durante o período em que a sede da Igreja Católica estava em Avignon, na Provence. Estive nesta cidade várias vezes e é, sem dúvida, umas das vilas medievais mais lindas que vi. O traçado das ruas, a arquitetura das casas e prédios medievais, os canteiros e vasos de flores coloridas nas janelas e em todo lugar dão um toque mágico a este lugar.
Neuf-Brisach, construída pelo rei Luiz XIV da França para ser uma fortificação contra invasão dos alemães, conserva ainda toda a estrutura e beleza da época. O traçado urbano é simplesmente lindo, lembrando uma rosácea. Conserva ainda intacta as muralhas que a circundam. No centro da vila, há uma grande praça com um estacionamento público.
Selestat abriga uma das maiores atrações do vale, o castelo Haut-Koenigsbourg, no alto da montanha. O castelo Haut-Koenigsboug foi construído no século XII e pertenceu a dinastia de Habsbourg. Abandonado durante a Guerra dos Trinta Anos foi restaurado em 1908. Hoje é uma das maiores atrações da região. Do alto vê-se todo o vale, os Vosges, e em dias claros a Floresta Negra do lado da Alemanha e os Alpes.
Continuando pela rodovia em direção ao sul, do lado direito, pelo vale adentro começa a Rota dos Vinhos. Mittelbergheim produz vinho branco de excelente qualidade, e abriga Domaines importantes como a Rietsch, Andre Rieffel, Boeckel e Andre Rohrer. Bergheim é onde estão os considerados melhores produtores, com vários grand crus e premier crus. O vinho branco da Domaine Marcel Deiss, produzido com uvas Reisling, é considerado um dos melhores do mundo. Apesar do vinho branco não possibilitar um guarda longa, este vinho da Marcel Deiss pode ser guardado por mais de 20 anos. Ribeauville e Riquewihr são dois lugares com ótimas opções para degustação em bares e espaços próprios dentro das cidades. As Domaines Frederic Engel, Mittracht-Klack, Maison Trumbach, Jrean Sipp e Joggerst et Fils são as mais visitadas. Eguiseheim une a beleza extraordinária da cidade com uma ótima produção de vinhos brancos. Ali você pode visitar as Domaines Leon Boyer, Bruno Sorg e Paul Ginglinger.
A vila de Kaysersberg fundada em 1293 fica mais próxima das montanhas do Vosges. Produz um vinho branco de alta qualidade com uvas Pinot Gris. As primeiras uvas cultivadas nesta vila, no século XVI, vieram da Hungria. É famosa também pela produção de têxteis.
A primeira vez que fui a Alsácia-Lorena fiquei surpreso e deslumbrado com tanta beleza. Foi em um mês de Outubro, no Outono, quando as folhas dos vinhedos vão ganhando cores avermelhadas. O contraste das casas, das torres das cidades medievais com os tons coloridos dos vinhedos, principalmente nas manhãs e no pôr do sol, dão um toque mágico ao lugar. O prazer de guiar um carro pelas estradas estreitas em meio aos vinhedos é ainda maior quando você vê surgir, no horizonte próximo, o campanário de uma torre medieval e depois aos poucos a cidade toda, linda, colorida. Em uma viagem no Verão, em Julho, próximo de Riquewihr pudemos colher e comer frutas no próprio pé, quando um agricultor abriu sua plantação de cerejas, morangos, mirtilo e framboesa para uma espécie de self service, a um preço fixo. Durante o mês de Julho, alguns produtores, abrem suas plantações para visitantes.
Se contarmos um dia inteiro para visitar Colmar, eu recomendo pelo menos mais três dias, para passear e conhecer a região, incluindo o castelo Haut-Koenigsbourg. Recomendo dois sites oficiais para ajudar a programar sua viagem: Da Alsácia-Lorena, pode-se continuar o passeio de carro pela Europa:
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